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O SUV é o retrato da imbecilidade que virou o trânsito

 
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Há uma longa lista de tecnologias e produtos criados para guerra e adaptados para a vida em tempos de paz. Trata-se de um processo justificado: guerras são momentos de comoção popular em que há esforços — tanto financeiros como de mão de obra — concentrados em um único objetivo.

Além de 75 milhões de mortos, nações destruídas, uma nova ordem geopolítica, um genocídio baseado em religião e um líder nazista cuja popularidade tem renascido pelas redes sociais, a II Guerra Mundial nos deu a computação. Na Inglaterra, a equipe liderada por Alan Turing criou uma máquina chamada de “Bletchley bombe” para quebrar as comunicações codificadas pelo sistema Enigma dos nazistas. Do outro lado do Atlântico, pesquisadores da Universidade da Pensilvânia criaram o ENIAC, considerado o primeiro computador eletrônico da história. Quarenta anos depois, o mercado da computação pessoal explodiu.

Não foi a única inovação cotidiana que a guerra produziu. O radar ficou menor e mais potente, um médico chamado Charles Drew descobriu que conseguia fazer transfusões de plasma em vez do sangue todo, Laszlo Biro inventou uma caneta que não vazava (a esferográfica), a Nescafé tornou o café solúvel bebível1 e a supercola nasceu por acidente na Kodak2 na tentativa de criar uma mira de arma.

A I Guerra Mundial foi a mesma coisa. Além de 40 milhões de mortos e o sentimento de orgulho ferido na Alemanha que levaria à ascensão daquele líder nazista, a I Guerra Mundial produziu as primeiras vacinas da gripe, o aço inoxidável e os zíperes realmente úteis. Houve também as inovações indiretas: durante a guerra, o exército britânico prendeu um ginasta e fisiculturista alemão em um castelo em Lancashire. Abre aspas para a Vogue Índia:

Ele começou a desenvolver uma série de exercícios para alongar os músculos humanos, e há rumores de que tenha desmontado camas do hospital para construir equipamentos de treino rudimentares. Feliz com os resultados no seu próprio corpo, ele ensinou o regime aos colegas prisioneiros.

Em homenagem ao último nome do seu criador, Joseph Hubertus Pilates, o novo exercício foi chamado de Pilates.

Olhe ao seu redor e você vai encontrar mais exemplos.

Eu quero focar em um específico neste episódio.

Em 1941, quando estava claro que os EUA entrariam na guerra, o Exército pediu que mais de 130 montadoras criassem um veículo leve e com tração nas quatro rodas capaz de transportar gente e equipamentos por terrenos acidentados. Com a guerra rolando, os prazos eram irreais: sete semanas entre assinar o contrato e entregar o primeiro protótipo e 75 dias para entregar 70 veículos prontos.

Só duas montadoras responderam: a American Bantam Car Company e a Willys-Overland. A Bantam levou o edital e cumpriu o prazo — o primeiro protótipo do veículo foi entregue com 30 minutos de folga. Como a montadora não tinha capacidade fabril suficiente, o Exército compartilhou as especificações com a Willys e a Ford. O que saiu deste processo foi um veículo que tem vários nomes, mas atende principalmente por Jeep — ou o aportuguesamento jipe.

O jipe militar era leve e resistente e conseguia carregar até 540 quilos, mais do que as especificações originais. O carro fez tanto sucesso que continuou a ser usado por décadas em outras guerras e foi copiado pelas Forças Armadas de outros países. Você pode não entender nada de história militar ou saber só o básico das Grandes Guerras, mas aposto um cuscuz com ovo de gema mole que sabe exatamente do veículo que estou falando. Ele está em todas as expressões artísticas visuais que falam sobre guerras ocorridas no século XX.

Impresso antigo do jipe para civis, a ser usado em fazendas.
“Jipe invade as fazendas do Meio-Oeste.”
O jipe não ficou restrito às guerras. Em 1945, com o fim da guerra e durante uma guerra jurídica para ver quem poderia registrar e lucrar com o nome Jeep, a mesma Willys-Overland contratada para produzir em massa o protótipo da Bantam anunciou o Jeep CJ — de “civilian Jeep”, o jipe civil. O anúncio para o CJ2A, o nome técnico do jipe, mostra um soldado estacionado em um campo de trigo, representando uma “invasão” das fazendas norte-americanas. Ainda que sem noção, o texto não estava errado. O primeiro jipe civil mudou o mercado automotivo. A partir dali, montadoras começaram a copiar o veículo e adaptar funcionalidades suas em outros carros. Por exemplo: três anos depois do primeiro jipe civil, uma montadora britânica chamada Rover introduziu sua versão chamada de Land Rover Series 1.

Você já leu o título, já entendeu aonde estamos indo. Àquela altura, veículos do tipo eram destinados a quem trabalhava no campo ou precisava carregar fardos pesados para cima e para baixo. Aos poucos, porém, aquele derretimento do jipe para tomar outras categorias de carro significaram que todo carro foi ficando, em maior ou menor grau, mais parecido com um jipe. Quer dizer, não só um jipe. Os jipes militares foram usados em guerras até o começo da década de 1980, quando foram substituídos por uma versão mais parruda e preparada para combate chamada de High Mobility Multipurpose Wheeled Vehicle (ou Humvee). Se esse nome lhe parece familiar é por que a partir da Guerra do Golfo — a primeira guerra transmitida em tempo real pela TV —, a sociedade gostou tanto do Humvee que surgiu a demanda. O Humvee virou Hummer para os civis e aquele semi tanque começou a aparecer nas cidades do mundo3. A metáfora é tão óbvia que eu não preciso nem colocar em palavras.

Na última década, o mercado automotivo global passou por uma profunda mudança que tem raízes naquele edital do Exército norte-americano para construir um veículo leve e pau para toda obra. O estilo do carro, que se tornou o mais vendido no mundo, bebe muito de como as Forças Armadas — principalmente nos EUA — construíram seus carros. Essa tendência é resumida em três letrinhas: SUV, sigla para Sport Utility Vehicle.

O SUV se tornou tão popular que não apenas passou os sedãs, líderes históricos, mas também introduziu mudanças consideráveis — a maioria com efeitos ruins — num trânsito que já era bastante caótico. Os SUVs são maiores, mais caros, ocupam mais espaço para circular e estacionar, poluem mais tanto no dia a dia como na produção e, principalmente, matam e machucam mais que os sedãs. A popularidade do SUV na última década é a principal amostra de como o trânsito flerta com uma atitude “cada um por si”, a ponto de veículos de origem militar terem se tornado o padrão.

O quarto episódio da sexta temporada do Tecnocracia vai falar sobre os efeitos dos SUVs nessa máquina de fazer maluco chamada trânsito. Você pode não ver muitos jipes por aí, mas vê diariamente dezenas ou centenas de carros Porque é sempre bom lembrar: tecnologia não é só computador ou internet — motor a combustão e tração nas quatro rodas também o são e, portanto, impactam diretamente a sociedade. No Tecnocracia #44 a gente explorou como o automóvel moldou a forma como nós vivemos desde o fim da II Guerra Mundial4 até hoje, principalmente no Ocidente. O trânsito é uma violência que a gente naturalizou, assumiu como inevitável, e os SUVs pioram um cenário que já era ruim.

Todo mês, o Tecnocracia detalha o impacto que diferentes tecnologias — numa acepção mais ampla do termo — têm no planeta e como nossas vidas, queiramos ou não, usemos ou não, acabam moldadas por elas. Eu sou o Guilherme Felitti e o Tecnocracia está na campanha de financiamento coletivo do Manual do Usuário. Em abril, o Manual simplificou os planos de apoio e barateou a assinatura anual — em 2024, quem está barateando assinaturas? Estou olhando para vocês, Netflix, Disney+, Hulu e o escambau.

Um dos mantras do Tecnocracia é que poucas coisas na vida são preto no branco — a imensa maioria é cinza. Hoje, a gente vai ter contato com diversos tons. Para entrar direito no assunto definamos a base: quando a gente fala em SUV, estamos falando do quê, exatamente? Eu gosto da definição que a revista Car and Drivers cunhou em 2020:

SUV é um termo vago que tradicionalmente abrange uma ampla gama de veículos com tração nas quatro rodas que podem ser ser off-road e dão a sensação de um caminhão mais leve. Embora o termo SUV possa ser aplicado a veículos maiores, como Range Rover, Chevrolet Suburban e Jeeps, também pode ser aplicado a veículos menores que não têm tração nas quatro rodas e capacidade mínima de off-road, como o Honda CRV e crossovers.

É um grande balaio, a ponto de o próprio mercado não concordar com o que pode ser considerado SUV ou não. A popularidade e a gana de embarcar na onda tornou o termo ainda menos preciso — existem, principalmente, picapes muito parecidas que podem ou não ser consideradas SUVs. Existe uma razão jurídica para essa confusão e nós já falaremos dela. É por isso que, ao falar sobre SUVs, vamos considerar SUVs, crossovers e picapes.

A confusão é uma das explicações para a popularização constatada a partir de 2010. Como em muitos processos econômicos, regulatórios e culturais, é uma onda que engrossa nos Estados Unidos e acaba se espalhando para o resto do mundo, principalmente países influenciados pelos EUA em planejamento urbano, como o Brasil. Em 2019, para cada sedã novo foram vendidos dois SUVs. Abre aspas para o jornal New York Times em 2020:

“Os SUVs representaram 47,4% das vendas nos EUA em 2019, com os sedãs representando 22,1%”, disse Tom Libby, analista automotivo da IHS Markit. “Até 2025, o segmento de caminhões leves, que inclui SUVs, vans e picapes, representará 78% das vendas, em comparação com os 72% atuais.” […] Os SUVs superaram as vendas dos sedãs pela primeira vez em 2015 e o mercado correu para os utilitários esportivos.

O Brasil registra um fenômeno semelhante, segundo dados da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores, a Fenabrave. Em 2023, os SUVs representavam quase metade do mercado brasileiro. Quatro anos antes, em 2019, era praticamente um quarto — ou seja, dobrou no período. No Brasil, a liderança veio em dois momentos: em 2019, os SUVs passaram os sedãs. Dois anos depois, passaram a categoria historicamente líder no Brasil, os hatches, assumiram a ponta e seguem crescendo5. SUV é tão popular que até carros de outras categorias ganharam apelidos como miniSUV. Vê-se em concessionárias carros hatch com “atitude SUV” da mesma maneira que Barra Funda, Marechal Deodoro, Moinho, Água Branca e até Bom Retiro viraram Santa Cecília para arrancar mais dinheiro de quem ia comprar apartamento em São Paulo.

Gráfico de market share por segmento de carros, com SUV assumindo a liderança.
Gráfico e dados: Fenabrave.

Deixa eu só parar um pouco para fazer um momento glossário. Eu não sou entusiasta de carros. Para escrever este episódio eu tive que ver o que cada uma destas categorias representava e se eu dissesse para você que entendi 100% estaria mentindo. É parte daquela zona cinzenta sobre a qual já falamos. Então deixa eu te dar alguns exemplos para você ter em mente sempre que eu citar estas categorias.

O SUV é um carro grande, mais alto — pense num Jeep moderno, num Honda HR-V ou num Hummer.

O sedã é o formato do carro que todo tio com dinheiro tinha até o ano 2000 — Corolla, Versalles, Vectra, Sentra…

Toyota Corolla, exemplo de carro sedã.
Foto: Toyota/Divulgação.

Já o hatch é o mais apertadinho e barato, sem a “bunda” do porta-malas que caracteriza os sedãs. Você viu incontáveis na rua e até deve ter tido um — pense num Gol, HB20, Kwid, C3, Palio, Ka, até o Uno.

Foto de trás de um Volkswagen Gol 2012, exemplo de carro hatch.
Foto: @juanelo242a/Flickr.

A partir de quando a galera passou a preferir um mini-tanque de guerra a um Gol bolinha? De novo, o analista Tom Libby para o New York Times: “Tudo se resume à praticidade, a altura do veículo, baby boomers e, bem, vaidade.” A frase é boa e encapsula alguns dos principais fatores, mas, antes deles, tem outro muito mais importante: uma mudança regulatória nos EUA foi fundamental para abrir o caminho para a demanda.

Em 1975, o Congresso norte-americano aprovou uma lei que forçava montadoras a dobrar a eficiência de combustível dos seus veículos para 27,5 milhas por galão pela próxima década6. Michael Thomas, da newsletter Distilled, sobre efeitos políticos nas mudanças climáticas, colocou em gráfico: até 1985, o número melhorou muito, sem jamais chegar ao objetivo de 27,5. Depois disso, porém, o número empacou e começou a cair, para depois subir de novo. Até hoje, quase 50 anos depois, a autonomia ainda não alcançou a 27,5.

Gráfico do consumo médio de combustível por carros entre 1985 e 2005.
Gráfico: Distilled. Dados: EPA Automotive Trends.

Abre aspas para o Michael:

A intenção da Lei de Política e Conservação Energética de 1975 era tornar todos os veículos de passageiros nos EUA mais eficientes em termos de combustível. Mas os lobistas do setor convenceram os reguladores a fazer uma alteração sutil ao texto do projeto de lei. Embora os padrões de eficiência para os carros estivessem definidos na própria lei, os padrões para os caminhões deveriam ser definidos pelo Departamento de Transportes. Como escreve Keith Bradsher em High and mighty: The dangerous rise of the SUV (“Alto e poderoso: A perigosa ascensão das SUVs”, sem tradução no Brasil): “Os fabricantes de automóveis queriam que quaisquer padrões de economia de combustível fossem definidos pelos reguladores, não pelo Congresso. O seu raciocínio se baseava no fato de que, uma vez aprovada pelo Congresso, é extremamente difícil anular uma lei. Os reguladores também poderiam ser pressionados para estabelecer normas menos rigorosas posteriormente.”

Foi exatamente o que aconteceu. Volte para o Michael:

Uma das primeiras coisas que os funcionários do Departamento de Transportes tiveram que fazer foi definir o que era um caminhão. As montadoras os convenceram a adotar a definição vaga de “um automóvel capaz de direção offroad”. Assim, desde que um SUV tivesse tração nas quatro rodas e uma altura do piso mínima, poderia evitar as regulamentações mais rigorosas e, em vez disso, ser regulamentado como um caminhão.

Em português claro, o que os lobistas inseriram na lei foi um jabuti. A estratégia criou o que a indústria chama de “SUV loophole”. A Lu Gimenez jurista ensina: “loophole” ou brecha é algo introduzido em uma lei — muitas vezes de propósito, por sugestão de lobistas e constantemente aos 45 do segundo tempo de tramitação — para tornar a lei menos efetiva ou desossar sua proposta original. No caso do SUV, deu certo. As montadoras ganharam um incentivo para comercializar veículos mais pesados por algumas razões, mas principalmente duas: 1) veículos maiores têm margens de lucro maiores; e 2) as regulamentações de emissões e segurança são muito mais frouxas. Michael Thomas fez um vídeo sobre isso e eu sugiro fortemente que você assista. Sabe uma das montadoras que liderou o esforço? A American Motors, então dona da marca Jeep.

É bom dizer que a efetividade não foi instantânea: demorou mais de uma década até que o primeiro estado norte-americano registrasse mais SUVs (lembre-se, estamos considerando aqui caminhonetes) que sedãs. Abre aspas para o Washington Post em 2023:

Desde o início dos dados de registo da Administração Rodoviária Federal, em 1900, até ao final da década de 1980, os automóveis dominavam as estradas do país. Mas em 1989, os caminhões conquistaram o seu primeiro estado, o Alasca. (…) A maioria dos estados só se rendeu aos caminhões depois da Grande Recessão (a partir de 2007), quando crossovers conquistaram os subúrbios.

Entre 1990 e 2000, o investimento das montadoras em publicidade voltada a SUVs foi de US$ 172,5 milhões para US$ 1,51 bilhão. “Naquela década, montadoras e concessionárias gastaram um total de US$ 9 bilhões alimentando a demanda por SUVs pelos consumidores, segundo dada coletada por Bradsher”, o autor do livro já citado High and mighty: The dangerous rise of the SUV. Quando a Ford lançou o primeiro Explorer em 1990, a bola de neve começou a descer a montanha e encorpar: o carro rendeu tanto dinheiro que todas as outras montadoras lançaram linhas de SUVs. O esforço deu frutos carnudos. Demorou mais uma década nos EUA e 15 anos no resto do mundo, mas funcionou.

Há certa controvérsia sobre a razão que levou o consumidor no mundo todo a preferir o SUV. Vivemos em um sistema caótico, podem existir várias razões trabalhando ao mesmo tempo. É inegável, porém, que a publicidade ajudou a construir na cabeça do consumidor médio a ideia de um veículo capaz de passar por riacho, enfrentar inundação, subir ribanceira, levantar bambu taquara, resgatar corpos, retroprojetor7. Se um veículo é capaz de aguentar tudo isso no meio do mato, o que dirá na cidade? Mais do que a capacidade de ajudar em trabalhos braçais, como levar lenha de um lado para o outro, SUVs se esforçaram para passar a ideia de segurança.

Essa palavra é fundamental para se entender a popularidade dos SUVs.

Mas segurança contra o quê? De lama, pedregulhos, enchentes, trilhas esburacadas? Aspas para frase de um executivo da Ford registrada no livro do Bradsher: “A única vez que um SUV vai ser usado off-road é quando o motorista perder a entrada da garagem às 3 da manhã.” A indústria automotiva sabe disso, quem compra também. SUVs também são aspiracionais, como o caubói da Marlboro para quem jamais montou num jegue. Criou-se a ilusão da aventura para quem não suja o pé de barro há décadas.

Gráfico dos usos mais comuns de donos de F-150 nos EUA.
Gráfico: Financial Times/Reprodução.

Pesquisa feita com mais de 1,2 mil donos de F-150, uma caminhonete enorme da Ford que é o carro mais vendido dos EUA, pediu para classificar o quão frequentemente se usava o carro para fazer diferentes atividades. Fazer compras é frequente para 87% deles, dirigir por prazer para 70% e ir para o trabalho 52%. Usar de reboque, uma razão óbvia para um carro com motor tão poderoso, é frequente para apenas 7% dos seus usuários.

Esse afã em comprar uma caminhonete para transportar gente forçou a indústria a mudar a estrutura dos carros: em 1961, uma Ford TT tinha dois terços de caçamba e um terço de cabine. Mais de 50 anos depois, a relação se inverteu — se você vai a uma concessionária da Ford hoje comprar uma F qualquer coisa, ela tem cabine dupla que equivale a dois terços do carro e uma caçamba de um terço, segundo reportagem do Axios de 2023, de onde também tirei a pesquisa com os donos da F-150.

A segurança sobre a qual falávamos há alguns minutos parece não ser do terreno acidentado, mas do próprio trânsito. Existe um exercício prático que a gente pode fazer agora nesta linha: você que conhece alguém com um SUV ou que talvez até tenha um, pergunte ou responda à seguinte pergunta: por que você comprou? Entre as várias respostas possíveis, existem duas que sempre vão aparecer:

  • “Em um SUV eu vejo tudo, estou mais alto que todo o resto” e variações; e
  • “Dentro de um SUV eu me sinto mais protegido.”

Os dois pontos têm relação entre si, mas vamos explorá-los separadamente, a começar pela escalada da altura. A questão da altura encapsula o processo de crescente egoísmo do trânsito: em nome de uma visão melhor, você piora a experiência de quase todos ao redor.

E é muito provável que você sofra os efeitos colaterais ruins de carros ainda mais altos. Se você já teve a experiência de andar no trânsito nos EUA, deve ter visto picapes com eixos e pneus alterados para serem ainda mais altos. São praticamente Monster Trucks trafegando em vias públicas.

SUV parada com cinco cones e quatro crianças à frente, em uma garagem.
Imagem: CBS/Reprodução.

Sempre haverá alguém mais alto que você cujo farol baixo vai bater no teu olho. Se for só o farol baixo, até que está bom. Se a gente considerar as consequências práticas desta altura, já entramos na questão da segurança. SUVs estão tão grandes que o motorista é incapaz de ver uma criança em pé na frente ao veículo. A Consumer Reports testou quantas crianças sentadas com as pernas cruzadas seriam necessárias para que o motorista conseguisse ver pelo menos uma delas. Foram nove. Até ver o topo da cabeça da nona criança, todas as oito outras já teriam sido esmagadas pelo carro. A nona também seria, já que não há sistema de freio capaz de parar um veículo deste porte em tempo suficiente de não esmagá-la.

Não só crianças. Abre aspas para reportagem de 2019 do jornal britânico The Guardian:

Sua altura os torna duas vezes mais propensos a rolar em acidentes e duas vezes mais propensos a matar pedestres, infligindo maiores ferimentos na parte superior do corpo e na cabeça, em oposição às lesões nos membros inferiores que dão maior chance de sobrevivência às vítimas. Originalmente modelados a partir de caminhões, eles geralmente estão isentos dos tipos de padrões de segurança aplicados aos veículos de passageiros, incluindo a altura do capô.

Em outras palavras: ao ser atropelado por um sedan ou um hatch, seu corpo rola por sobre o vidro. É ruim, lógico. Mas o capô de um SUV é tão mais alto que não existe espaço para o corpo rolar: ele simplesmente absorve toda a pancada em regiões vitais do corpo.

Carros estão ficando maiores no mundo todo, mas existem controvérsias sobre a relação entre eles e o número de atropelamentos. Análise do Financial Times mostra que o número de mortes por atropelamento está caindo no mundo todo durante a popularização de SUVs, com uma exceção — sem surpresa nenhuma, os EUA. O que a análise não mostra é a relação entre peso do carro e número de mortes por atropelamento.

Gráficos de mortes no trânsito nos EUA — média e estados mais e menos violentas.
Gráfico: Financial Times/Reprodução.

Talvez os dados não tenham te convencido e você seja o maior misantropo do planeta. Se você só quiser pensar em você, eu tenho más notícias. Voltemos à reportagem do Guardian:

SUVs são um paradoxo: embora muitas pessoas os comprem para se sentirem mais seguras, eles são estatisticamente menos seguros do que os carros normais, tanto para quem está dentro como para quem está fora do veículo. Uma pessoa tem 11% mais probabilidade de morrer em um acidente dentro de um SUV do que em um sedã normal. Estudos mostram que eles induzem os motoristas a uma falsa sensação de segurança, encorajando-os a assumir riscos maiores.

Esta escala de altura é péssima para todo mundo envolvido no trânsito, ou seja, todo mundo mesmo.

Antes de entrarmos na conclusão, tem um outro ponto a se falar: lembra que o objetivo daquela lei de 1975 era controlar as emissões? Como estão fora da obrigação, a eficiência de SUVs e picapes é semelhante à dos carros na década de 1970 justo no momento em que as consequências das mudanças climáticas são óbvias. Abre aspas para o New York Times em 2018:

Entre 2005 e 2008, a economia média de combustível dos automóveis novos em todo o mundo melhorou cerca de 1,8 por cento ao ano, de acordo com a Iniciativa Global de Economia de Combustível, ligada às Nações Unidas. Mas desde então, esse ritmo baixou para 1,1% em 2015, segundo os dados mais recentes disponíveis, muito abaixo do corte de quase 3% necessário para simplesmente estabilizar as emissões da frota automóvel mundial. O boom de SUVs é um obstáculo à marcha em direção a automóveis mais limpos. Em comparação com carros menores, os SUVs são na média 30% menos eficientes.

Sabe a descarbonização provocada pela frota elétrica? Uma parte considerável disso — senão maior — está sendo jogada na atmosfera pela baixa eficiência dos SUVs. O recorde de SUVs vendidos coincide com o recorde de emissão deles. Abre aspas para reportagem do Guardian de 2024:

A análise da Agência Internacional de Energia concluiu que o aumento das emissões dos SUVs em 2023 representou 20% do aumento global de CO2, tornando os veículos uma das principais causas da intensificação da crise climática. Se os SUVs fossem um país, seriam o quinto maior emissor mundial de CO2, à frente de Japão e da Alemanha.

Como os SUVs são maiores, a produção consome mais recursos que outras categorias de veículos. O canal Not Just Bikes fez um vídeo fundamental sobre o tema:

YouTube Video
Do ponto de vista ambiental, é um grande desastre. Do ponto de vista da segurança de crianças, pedestres, ciclistas e motoristas, é um grande desastre. Os carros são mais caros tanto para comprar como para abastecer. A (falsa) sensação de segurança faz os motoristas dirigirem pior.

Qual é a vantagem dos SUVs?

Em 2004, Malcolm Gladwell escreveu para a revista New Yorker uma reportagem intitulada “Big and Bad” sobre a ascensão dos SUVs. Para ela, Gladwell escutou G. Clotaire Rapaille, um antropólogo cultural que trabalhou por décadas para a indústria automotiva. Duas aspas do Rapaille cabem aqui:

Se sou maior e mais alto, estou mais seguro. Se eu puder colocar meu café ali, se estiver tudo redondo, me sinto seguro.

E:

Os passageiros estão mais altos, dominantes e podem olhar para baixo. Que você possa olhar outras pessoas para baixo é uma noção psicologicamente muito poderosa.

As frases, ditas e publicadas há 20 anos, foram premonitórias. Em busca dessa sensação, a sociedade se coloca em maior risco e gasta mais para entubar uma noção de segurança completamente falsa. SUVs representam o tal “livre mercado” radical no trânsito e, tal qual o “livre mercado”, fica cada um por si. O problema é que fundamentalmente o trânsito é composto por todos nós. Nunca foi, não é e nunca será composto apenas do alecrinzinho dourado que quer ficar por cima de todo o resto baseado na publicidade automotiva.

Existem poucas tecnologias que moldaram tanto a sociedade no último século que o carro. Em troca da praticidade, a gente assumiu como natural umas violências terríveis, a começar pelo trânsito. Há uma longa lista de pesquisadores de urbanismo, transporte e planejamento urbano que aponta para o futuro das cidades dependendo cada vez menos de transporte motorizado coletivo. Depois de 1960, cidades em expansão, principalmente no Ocidente, copiaram o modelo norte-americano de destruir bairros para construir e alargar ruas, avenidas e estradas. Você já parou para pensar na quantidade de espaço que a gente dá para carro e como essa infra-estrutura destroi certas partes da cidade? O maior exemplo disto no Brasil é o Minhocão em São Paulo. Na próxima vez que você sair dirigindo por aí, dê uma olhada. Soma espaços de estacionamento e vias de rolamento. É assustador.

Essa visão de uma cidade do futuro com menos carros retoma muitos destes espaços e reintroduz um tipo de transporte que não prejudica tanto o convívio social. A ideia não é abolir carros, mas tornar o transporte público bom o suficiente para que até quem tem os melhores carros escolha ir de metrô ou ônibus pela comodidade e/ou custo. Certos países já começaram a reagir à onda dos SUVs. Paris, aquela cidade que todo mundo fica embasbacado quando visita como turista, votou em fevereiro de 2024 para triplicar o custo de estacionamento de SUVs a partir de setembro. Mas a gente já falou no Tecnocracia #44: a Europa vem de outra filosofia de transportes que não a norte-americana. Os carros mais vendidos na Europa são muito menores que os campeões de vendas nos EUA.

No resto do mundo, a onda dos SUVs segue forte e, pior, sem dar qualquer sinal de arrefecimento. É uma abordagem completamente contrária ao que urbanistas já indicaram para cidades sustentáveis do ponto de vista ambiental e social. A popularização de SUVs elétricos atenua a questão das emissões, mas mantém todos os outros problemas atrelados. Com tecnologias criadas e um visual cada vez mais moldado em carros militares, o SUV joga no sentido totalmente contrário: ter uma espécie de tanque para “enfrentar” o trânsito o torna ainda pior para todos envolvidos — para a sociedade inteira. Quem ganha com a popularidade de SUVs? Só montadoras e petrolíferas. Só. Se você não é acionista de nenhuma delas, então seja bem-vindo aos perdedores.

Foto do topo: @juanelo242a/Flickr.

  1. Há controvérsias.
  2. Aquela mesma.
  3. Além do Hummer, a Guerra do Golfo apresentou ao mundo a CNN e o conceito de canal de TV dedicado 24 horas à notícia.
  4. Olha ela de novo.
  5. Você pode baixar os dados da Fenabrave — todos no delicioso formato PDF — para fazer as análises.
  6. Momento “sistema métrico é inegavelmente melhor”: um galão comporta 3,78 litros e uma milha equivale a 1,6 quilômetro, o que dá 44 quilômetros por galão, o que dá 11 quilômetros por litro. Eu já tive um carro velho que, quando chegava a 10 km/l, era uma alegria.
  7. Estes últimos 3 são piada. Quem pegou, pegou.

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Há uma longa lista de tecnologias e produtos criados para guerra e adaptados para a vida em tempos de paz. Trata-se de um processo justificado: guerras são momentos de comoção popular em que há esforços — tanto financeiros como de mão de obra — concentrados em um único objetivo.

Além de 75 milhões de mortos, nações destruídas, uma nova ordem geopolítica, um genocídio baseado em religião e um líder nazista cuja popularidade tem renascido pelas redes sociais, a II Guerra Mundial nos deu a computação. Na Inglaterra, a equipe liderada por Alan Turing criou uma máquina chamada de “Bletchley bombe” para quebrar as comunicações codificadas pelo sistema Enigma dos nazistas. Do outro lado do Atlântico, pesquisadores da Universidade da Pensilvânia criaram o ENIAC, considerado o primeiro computador eletrônico da história. Quarenta anos depois, o mercado da computação pessoal explodiu.

Não foi a única inovação cotidiana que a guerra produziu. O radar ficou menor e mais potente, um médico chamado Charles Drew descobriu que conseguia fazer transfusões de plasma em vez do sangue todo, Laszlo Biro inventou uma caneta que não vazava (a esferográfica), a Nescafé tornou o café solúvel bebível1 e a supercola nasceu por acidente na Kodak2 na tentativa de criar uma mira de arma.

A I Guerra Mundial foi a mesma coisa. Além de 40 milhões de mortos e o sentimento de orgulho ferido na Alemanha que levaria à ascensão daquele líder nazista, a I Guerra Mundial produziu as primeiras vacinas da gripe, o aço inoxidável e os zíperes realmente úteis. Houve também as inovações indiretas: durante a guerra, o exército britânico prendeu um ginasta e fisiculturista alemão em um castelo em Lancashire. Abre aspas para a Vogue Índia:

Ele começou a desenvolver uma série de exercícios para alongar os músculos humanos, e há rumores de que tenha desmontado camas do hospital para construir equipamentos de treino rudimentares. Feliz com os resultados no seu próprio corpo, ele ensinou o regime aos colegas prisioneiros.

Em homenagem ao último nome do seu criador, Joseph Hubertus Pilates, o novo exercício foi chamado de Pilates.

Olhe ao seu redor e você vai encontrar mais exemplos.

Eu quero focar em um específico neste episódio.

Em 1941, quando estava claro que os EUA entrariam na guerra, o Exército pediu que mais de 130 montadoras criassem um veículo leve e com tração nas quatro rodas capaz de transportar gente e equipamentos por terrenos acidentados. Com a guerra rolando, os prazos eram irreais: sete semanas entre assinar o contrato e entregar o primeiro protótipo e 75 dias para entregar 70 veículos prontos.

Só duas montadoras responderam: a American Bantam Car Company e a Willys-Overland. A Bantam levou o edital e cumpriu o prazo — o primeiro protótipo do veículo foi entregue com 30 minutos de folga. Como a montadora não tinha capacidade fabril suficiente, o Exército compartilhou as especificações com a Willys e a Ford. O que saiu deste processo foi um veículo que tem vários nomes, mas atende principalmente por Jeep — ou o aportuguesamento jipe.

O jipe militar era leve e resistente e conseguia carregar até 540 quilos, mais do que as especificações originais. O carro fez tanto sucesso que continuou a ser usado por décadas em outras guerras e foi copiado pelas Forças Armadas de outros países. Você pode não entender nada de história militar ou saber só o básico das Grandes Guerras, mas aposto um cuscuz com ovo de gema mole que sabe exatamente do veículo que estou falando. Ele está em todas as expressões artísticas visuais que falam sobre guerras ocorridas no século XX.

Impresso antigo do jipe para civis, a ser usado em fazendas.
“Jipe invade as fazendas do Meio-Oeste.”
O jipe não ficou restrito às guerras. Em 1945, com o fim da guerra e durante uma guerra jurídica para ver quem poderia registrar e lucrar com o nome Jeep, a mesma Willys-Overland contratada para produzir em massa o protótipo da Bantam anunciou o Jeep CJ — de “civilian Jeep”, o jipe civil. O anúncio para o CJ2A, o nome técnico do jipe, mostra um soldado estacionado em um campo de trigo, representando uma “invasão” das fazendas norte-americanas. Ainda que sem noção, o texto não estava errado. O primeiro jipe civil mudou o mercado automotivo. A partir dali, montadoras começaram a copiar o veículo e adaptar funcionalidades suas em outros carros. Por exemplo: três anos depois do primeiro jipe civil, uma montadora britânica chamada Rover introduziu sua versão chamada de Land Rover Series 1.

Você já leu o título, já entendeu aonde estamos indo. Àquela altura, veículos do tipo eram destinados a quem trabalhava no campo ou precisava carregar fardos pesados para cima e para baixo. Aos poucos, porém, aquele derretimento do jipe para tomar outras categorias de carro significaram que todo carro foi ficando, em maior ou menor grau, mais parecido com um jipe. Quer dizer, não só um jipe. Os jipes militares foram usados em guerras até o começo da década de 1980, quando foram substituídos por uma versão mais parruda e preparada para combate chamada de High Mobility Multipurpose Wheeled Vehicle (ou Humvee). Se esse nome lhe parece familiar é por que a partir da Guerra do Golfo — a primeira guerra transmitida em tempo real pela TV —, a sociedade gostou tanto do Humvee que surgiu a demanda. O Humvee virou Hummer para os civis e aquele semi tanque começou a aparecer nas cidades do mundo3. A metáfora é tão óbvia que eu não preciso nem colocar em palavras.

Na última década, o mercado automotivo global passou por uma profunda mudança que tem raízes naquele edital do Exército norte-americano para construir um veículo leve e pau para toda obra. O estilo do carro, que se tornou o mais vendido no mundo, bebe muito de como as Forças Armadas — principalmente nos EUA — construíram seus carros. Essa tendência é resumida em três letrinhas: SUV, sigla para Sport Utility Vehicle.

O SUV se tornou tão popular que não apenas passou os sedãs, líderes históricos, mas também introduziu mudanças consideráveis — a maioria com efeitos ruins — num trânsito que já era bastante caótico. Os SUVs são maiores, mais caros, ocupam mais espaço para circular e estacionar, poluem mais tanto no dia a dia como na produção e, principalmente, matam e machucam mais que os sedãs. A popularidade do SUV na última década é a principal amostra de como o trânsito flerta com uma atitude “cada um por si”, a ponto de veículos de origem militar terem se tornado o padrão.

O quarto episódio da sexta temporada do Tecnocracia vai falar sobre os efeitos dos SUVs nessa máquina de fazer maluco chamada trânsito. Você pode não ver muitos jipes por aí, mas vê diariamente dezenas ou centenas de carros Porque é sempre bom lembrar: tecnologia não é só computador ou internet — motor a combustão e tração nas quatro rodas também o são e, portanto, impactam diretamente a sociedade. No Tecnocracia #44 a gente explorou como o automóvel moldou a forma como nós vivemos desde o fim da II Guerra Mundial4 até hoje, principalmente no Ocidente. O trânsito é uma violência que a gente naturalizou, assumiu como inevitável, e os SUVs pioram um cenário que já era ruim.

Todo mês, o Tecnocracia detalha o impacto que diferentes tecnologias — numa acepção mais ampla do termo — têm no planeta e como nossas vidas, queiramos ou não, usemos ou não, acabam moldadas por elas. Eu sou o Guilherme Felitti e o Tecnocracia está na campanha de financiamento coletivo do Manual do Usuário. Em abril, o Manual simplificou os planos de apoio e barateou a assinatura anual — em 2024, quem está barateando assinaturas? Estou olhando para vocês, Netflix, Disney+, Hulu e o escambau.

Um dos mantras do Tecnocracia é que poucas coisas na vida são preto no branco — a imensa maioria é cinza. Hoje, a gente vai ter contato com diversos tons. Para entrar direito no assunto definamos a base: quando a gente fala em SUV, estamos falando do quê, exatamente? Eu gosto da definição que a revista Car and Drivers cunhou em 2020:

SUV é um termo vago que tradicionalmente abrange uma ampla gama de veículos com tração nas quatro rodas que podem ser ser off-road e dão a sensação de um caminhão mais leve. Embora o termo SUV possa ser aplicado a veículos maiores, como Range Rover, Chevrolet Suburban e Jeeps, também pode ser aplicado a veículos menores que não têm tração nas quatro rodas e capacidade mínima de off-road, como o Honda CRV e crossovers.

É um grande balaio, a ponto de o próprio mercado não concordar com o que pode ser considerado SUV ou não. A popularidade e a gana de embarcar na onda tornou o termo ainda menos preciso — existem, principalmente, picapes muito parecidas que podem ou não ser consideradas SUVs. Existe uma razão jurídica para essa confusão e nós já falaremos dela. É por isso que, ao falar sobre SUVs, vamos considerar SUVs, crossovers e picapes.

A confusão é uma das explicações para a popularização constatada a partir de 2010. Como em muitos processos econômicos, regulatórios e culturais, é uma onda que engrossa nos Estados Unidos e acaba se espalhando para o resto do mundo, principalmente países influenciados pelos EUA em planejamento urbano, como o Brasil. Em 2019, para cada sedã novo foram vendidos dois SUVs. Abre aspas para o jornal New York Times em 2020:

“Os SUVs representaram 47,4% das vendas nos EUA em 2019, com os sedãs representando 22,1%”, disse Tom Libby, analista automotivo da IHS Markit. “Até 2025, o segmento de caminhões leves, que inclui SUVs, vans e picapes, representará 78% das vendas, em comparação com os 72% atuais.” […] Os SUVs superaram as vendas dos sedãs pela primeira vez em 2015 e o mercado correu para os utilitários esportivos.

O Brasil registra um fenômeno semelhante, segundo dados da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores, a Fenabrave. Em 2023, os SUVs representavam quase metade do mercado brasileiro. Quatro anos antes, em 2019, era praticamente um quarto — ou seja, dobrou no período. No Brasil, a liderança veio em dois momentos: em 2019, os SUVs passaram os sedãs. Dois anos depois, passaram a categoria historicamente líder no Brasil, os hatches, assumiram a ponta e seguem crescendo5. SUV é tão popular que até carros de outras categorias ganharam apelidos como miniSUV. Vê-se em concessionárias carros hatch com “atitude SUV” da mesma maneira que Barra Funda, Marechal Deodoro, Moinho, Água Branca e até Bom Retiro viraram Santa Cecília para arrancar mais dinheiro de quem ia comprar apartamento em São Paulo.

Gráfico de market share por segmento de carros, com SUV assumindo a liderança.
Gráfico e dados: Fenabrave.

Deixa eu só parar um pouco para fazer um momento glossário. Eu não sou entusiasta de carros. Para escrever este episódio eu tive que ver o que cada uma destas categorias representava e se eu dissesse para você que entendi 100% estaria mentindo. É parte daquela zona cinzenta sobre a qual já falamos. Então deixa eu te dar alguns exemplos para você ter em mente sempre que eu citar estas categorias.

O SUV é um carro grande, mais alto — pense num Jeep moderno, num Honda HR-V ou num Hummer.

O sedã é o formato do carro que todo tio com dinheiro tinha até o ano 2000 — Corolla, Versalles, Vectra, Sentra…

Toyota Corolla, exemplo de carro sedã.
Foto: Toyota/Divulgação.

Já o hatch é o mais apertadinho e barato, sem a “bunda” do porta-malas que caracteriza os sedãs. Você viu incontáveis na rua e até deve ter tido um — pense num Gol, HB20, Kwid, C3, Palio, Ka, até o Uno.

Foto de trás de um Volkswagen Gol 2012, exemplo de carro hatch.
Foto: @juanelo242a/Flickr.

A partir de quando a galera passou a preferir um mini-tanque de guerra a um Gol bolinha? De novo, o analista Tom Libby para o New York Times: “Tudo se resume à praticidade, a altura do veículo, baby boomers e, bem, vaidade.” A frase é boa e encapsula alguns dos principais fatores, mas, antes deles, tem outro muito mais importante: uma mudança regulatória nos EUA foi fundamental para abrir o caminho para a demanda.

Em 1975, o Congresso norte-americano aprovou uma lei que forçava montadoras a dobrar a eficiência de combustível dos seus veículos para 27,5 milhas por galão pela próxima década6. Michael Thomas, da newsletter Distilled, sobre efeitos políticos nas mudanças climáticas, colocou em gráfico: até 1985, o número melhorou muito, sem jamais chegar ao objetivo de 27,5. Depois disso, porém, o número empacou e começou a cair, para depois subir de novo. Até hoje, quase 50 anos depois, a autonomia ainda não alcançou a 27,5.

Gráfico do consumo médio de combustível por carros entre 1985 e 2005.
Gráfico: Distilled. Dados: EPA Automotive Trends.

Abre aspas para o Michael:

A intenção da Lei de Política e Conservação Energética de 1975 era tornar todos os veículos de passageiros nos EUA mais eficientes em termos de combustível. Mas os lobistas do setor convenceram os reguladores a fazer uma alteração sutil ao texto do projeto de lei. Embora os padrões de eficiência para os carros estivessem definidos na própria lei, os padrões para os caminhões deveriam ser definidos pelo Departamento de Transportes. Como escreve Keith Bradsher em High and mighty: The dangerous rise of the SUV (“Alto e poderoso: A perigosa ascensão das SUVs”, sem tradução no Brasil): “Os fabricantes de automóveis queriam que quaisquer padrões de economia de combustível fossem definidos pelos reguladores, não pelo Congresso. O seu raciocínio se baseava no fato de que, uma vez aprovada pelo Congresso, é extremamente difícil anular uma lei. Os reguladores também poderiam ser pressionados para estabelecer normas menos rigorosas posteriormente.”

Foi exatamente o que aconteceu. Volte para o Michael:

Uma das primeiras coisas que os funcionários do Departamento de Transportes tiveram que fazer foi definir o que era um caminhão. As montadoras os convenceram a adotar a definição vaga de “um automóvel capaz de direção offroad”. Assim, desde que um SUV tivesse tração nas quatro rodas e uma altura do piso mínima, poderia evitar as regulamentações mais rigorosas e, em vez disso, ser regulamentado como um caminhão.

Em português claro, o que os lobistas inseriram na lei foi um jabuti. A estratégia criou o que a indústria chama de “SUV loophole”. A Lu Gimenez jurista ensina: “loophole” ou brecha é algo introduzido em uma lei — muitas vezes de propósito, por sugestão de lobistas e constantemente aos 45 do segundo tempo de tramitação — para tornar a lei menos efetiva ou desossar sua proposta original. No caso do SUV, deu certo. As montadoras ganharam um incentivo para comercializar veículos mais pesados por algumas razões, mas principalmente duas: 1) veículos maiores têm margens de lucro maiores; e 2) as regulamentações de emissões e segurança são muito mais frouxas. Michael Thomas fez um vídeo sobre isso e eu sugiro fortemente que você assista. Sabe uma das montadoras que liderou o esforço? A American Motors, então dona da marca Jeep.

É bom dizer que a efetividade não foi instantânea: demorou mais de uma década até que o primeiro estado norte-americano registrasse mais SUVs (lembre-se, estamos considerando aqui caminhonetes) que sedãs. Abre aspas para o Washington Post em 2023:

Desde o início dos dados de registo da Administração Rodoviária Federal, em 1900, até ao final da década de 1980, os automóveis dominavam as estradas do país. Mas em 1989, os caminhões conquistaram o seu primeiro estado, o Alasca. (…) A maioria dos estados só se rendeu aos caminhões depois da Grande Recessão (a partir de 2007), quando crossovers conquistaram os subúrbios.

Entre 1990 e 2000, o investimento das montadoras em publicidade voltada a SUVs foi de US$ 172,5 milhões para US$ 1,51 bilhão. “Naquela década, montadoras e concessionárias gastaram um total de US$ 9 bilhões alimentando a demanda por SUVs pelos consumidores, segundo dada coletada por Bradsher”, o autor do livro já citado High and mighty: The dangerous rise of the SUV. Quando a Ford lançou o primeiro Explorer em 1990, a bola de neve começou a descer a montanha e encorpar: o carro rendeu tanto dinheiro que todas as outras montadoras lançaram linhas de SUVs. O esforço deu frutos carnudos. Demorou mais uma década nos EUA e 15 anos no resto do mundo, mas funcionou.

Há certa controvérsia sobre a razão que levou o consumidor no mundo todo a preferir o SUV. Vivemos em um sistema caótico, podem existir várias razões trabalhando ao mesmo tempo. É inegável, porém, que a publicidade ajudou a construir na cabeça do consumidor médio a ideia de um veículo capaz de passar por riacho, enfrentar inundação, subir ribanceira, levantar bambu taquara, resgatar corpos, retroprojetor7. Se um veículo é capaz de aguentar tudo isso no meio do mato, o que dirá na cidade? Mais do que a capacidade de ajudar em trabalhos braçais, como levar lenha de um lado para o outro, SUVs se esforçaram para passar a ideia de segurança.

Essa palavra é fundamental para se entender a popularidade dos SUVs.

Mas segurança contra o quê? De lama, pedregulhos, enchentes, trilhas esburacadas? Aspas para frase de um executivo da Ford registrada no livro do Bradsher: “A única vez que um SUV vai ser usado off-road é quando o motorista perder a entrada da garagem às 3 da manhã.” A indústria automotiva sabe disso, quem compra também. SUVs também são aspiracionais, como o caubói da Marlboro para quem jamais montou num jegue. Criou-se a ilusão da aventura para quem não suja o pé de barro há décadas.

Gráfico dos usos mais comuns de donos de F-150 nos EUA.
Gráfico: Financial Times/Reprodução.

Pesquisa feita com mais de 1,2 mil donos de F-150, uma caminhonete enorme da Ford que é o carro mais vendido dos EUA, pediu para classificar o quão frequentemente se usava o carro para fazer diferentes atividades. Fazer compras é frequente para 87% deles, dirigir por prazer para 70% e ir para o trabalho 52%. Usar de reboque, uma razão óbvia para um carro com motor tão poderoso, é frequente para apenas 7% dos seus usuários.

Esse afã em comprar uma caminhonete para transportar gente forçou a indústria a mudar a estrutura dos carros: em 1961, uma Ford TT tinha dois terços de caçamba e um terço de cabine. Mais de 50 anos depois, a relação se inverteu — se você vai a uma concessionária da Ford hoje comprar uma F qualquer coisa, ela tem cabine dupla que equivale a dois terços do carro e uma caçamba de um terço, segundo reportagem do Axios de 2023, de onde também tirei a pesquisa com os donos da F-150.

A segurança sobre a qual falávamos há alguns minutos parece não ser do terreno acidentado, mas do próprio trânsito. Existe um exercício prático que a gente pode fazer agora nesta linha: você que conhece alguém com um SUV ou que talvez até tenha um, pergunte ou responda à seguinte pergunta: por que você comprou? Entre as várias respostas possíveis, existem duas que sempre vão aparecer:

  • “Em um SUV eu vejo tudo, estou mais alto que todo o resto” e variações; e
  • “Dentro de um SUV eu me sinto mais protegido.”

Os dois pontos têm relação entre si, mas vamos explorá-los separadamente, a começar pela escalada da altura. A questão da altura encapsula o processo de crescente egoísmo do trânsito: em nome de uma visão melhor, você piora a experiência de quase todos ao redor.

E é muito provável que você sofra os efeitos colaterais ruins de carros ainda mais altos. Se você já teve a experiência de andar no trânsito nos EUA, deve ter visto picapes com eixos e pneus alterados para serem ainda mais altos. São praticamente Monster Trucks trafegando em vias públicas.

SUV parada com cinco cones e quatro crianças à frente, em uma garagem.
Imagem: CBS/Reprodução.

Sempre haverá alguém mais alto que você cujo farol baixo vai bater no teu olho. Se for só o farol baixo, até que está bom. Se a gente considerar as consequências práticas desta altura, já entramos na questão da segurança. SUVs estão tão grandes que o motorista é incapaz de ver uma criança em pé na frente ao veículo. A Consumer Reports testou quantas crianças sentadas com as pernas cruzadas seriam necessárias para que o motorista conseguisse ver pelo menos uma delas. Foram nove. Até ver o topo da cabeça da nona criança, todas as oito outras já teriam sido esmagadas pelo carro. A nona também seria, já que não há sistema de freio capaz de parar um veículo deste porte em tempo suficiente de não esmagá-la.

Não só crianças. Abre aspas para reportagem de 2019 do jornal britânico The Guardian:

Sua altura os torna duas vezes mais propensos a rolar em acidentes e duas vezes mais propensos a matar pedestres, infligindo maiores ferimentos na parte superior do corpo e na cabeça, em oposição às lesões nos membros inferiores que dão maior chance de sobrevivência às vítimas. Originalmente modelados a partir de caminhões, eles geralmente estão isentos dos tipos de padrões de segurança aplicados aos veículos de passageiros, incluindo a altura do capô.

Em outras palavras: ao ser atropelado por um sedan ou um hatch, seu corpo rola por sobre o vidro. É ruim, lógico. Mas o capô de um SUV é tão mais alto que não existe espaço para o corpo rolar: ele simplesmente absorve toda a pancada em regiões vitais do corpo.

Carros estão ficando maiores no mundo todo, mas existem controvérsias sobre a relação entre eles e o número de atropelamentos. Análise do Financial Times mostra que o número de mortes por atropelamento está caindo no mundo todo durante a popularização de SUVs, com uma exceção — sem surpresa nenhuma, os EUA. O que a análise não mostra é a relação entre peso do carro e número de mortes por atropelamento.

Gráficos de mortes no trânsito nos EUA — média e estados mais e menos violentas.
Gráfico: Financial Times/Reprodução.

Talvez os dados não tenham te convencido e você seja o maior misantropo do planeta. Se você só quiser pensar em você, eu tenho más notícias. Voltemos à reportagem do Guardian:

SUVs são um paradoxo: embora muitas pessoas os comprem para se sentirem mais seguras, eles são estatisticamente menos seguros do que os carros normais, tanto para quem está dentro como para quem está fora do veículo. Uma pessoa tem 11% mais probabilidade de morrer em um acidente dentro de um SUV do que em um sedã normal. Estudos mostram que eles induzem os motoristas a uma falsa sensação de segurança, encorajando-os a assumir riscos maiores.

Esta escala de altura é péssima para todo mundo envolvido no trânsito, ou seja, todo mundo mesmo.

Antes de entrarmos na conclusão, tem um outro ponto a se falar: lembra que o objetivo daquela lei de 1975 era controlar as emissões? Como estão fora da obrigação, a eficiência de SUVs e picapes é semelhante à dos carros na década de 1970 justo no momento em que as consequências das mudanças climáticas são óbvias. Abre aspas para o New York Times em 2018:

Entre 2005 e 2008, a economia média de combustível dos automóveis novos em todo o mundo melhorou cerca de 1,8 por cento ao ano, de acordo com a Iniciativa Global de Economia de Combustível, ligada às Nações Unidas. Mas desde então, esse ritmo baixou para 1,1% em 2015, segundo os dados mais recentes disponíveis, muito abaixo do corte de quase 3% necessário para simplesmente estabilizar as emissões da frota automóvel mundial. O boom de SUVs é um obstáculo à marcha em direção a automóveis mais limpos. Em comparação com carros menores, os SUVs são na média 30% menos eficientes.

Sabe a descarbonização provocada pela frota elétrica? Uma parte considerável disso — senão maior — está sendo jogada na atmosfera pela baixa eficiência dos SUVs. O recorde de SUVs vendidos coincide com o recorde de emissão deles. Abre aspas para reportagem do Guardian de 2024:

A análise da Agência Internacional de Energia concluiu que o aumento das emissões dos SUVs em 2023 representou 20% do aumento global de CO2, tornando os veículos uma das principais causas da intensificação da crise climática. Se os SUVs fossem um país, seriam o quinto maior emissor mundial de CO2, à frente de Japão e da Alemanha.

Como os SUVs são maiores, a produção consome mais recursos que outras categorias de veículos. O canal Not Just Bikes fez um vídeo fundamental sobre o tema:

YouTube Video
Do ponto de vista ambiental, é um grande desastre. Do ponto de vista da segurança de crianças, pedestres, ciclistas e motoristas, é um grande desastre. Os carros são mais caros tanto para comprar como para abastecer. A (falsa) sensação de segurança faz os motoristas dirigirem pior.

Qual é a vantagem dos SUVs?

Em 2004, Malcolm Gladwell escreveu para a revista New Yorker uma reportagem intitulada “Big and Bad” sobre a ascensão dos SUVs. Para ela, Gladwell escutou G. Clotaire Rapaille, um antropólogo cultural que trabalhou por décadas para a indústria automotiva. Duas aspas do Rapaille cabem aqui:

Se sou maior e mais alto, estou mais seguro. Se eu puder colocar meu café ali, se estiver tudo redondo, me sinto seguro.

E:

Os passageiros estão mais altos, dominantes e podem olhar para baixo. Que você possa olhar outras pessoas para baixo é uma noção psicologicamente muito poderosa.

As frases, ditas e publicadas há 20 anos, foram premonitórias. Em busca dessa sensação, a sociedade se coloca em maior risco e gasta mais para entubar uma noção de segurança completamente falsa. SUVs representam o tal “livre mercado” radical no trânsito e, tal qual o “livre mercado”, fica cada um por si. O problema é que fundamentalmente o trânsito é composto por todos nós. Nunca foi, não é e nunca será composto apenas do alecrinzinho dourado que quer ficar por cima de todo o resto baseado na publicidade automotiva.

Existem poucas tecnologias que moldaram tanto a sociedade no último século que o carro. Em troca da praticidade, a gente assumiu como natural umas violências terríveis, a começar pelo trânsito. Há uma longa lista de pesquisadores de urbanismo, transporte e planejamento urbano que aponta para o futuro das cidades dependendo cada vez menos de transporte motorizado coletivo. Depois de 1960, cidades em expansão, principalmente no Ocidente, copiaram o modelo norte-americano de destruir bairros para construir e alargar ruas, avenidas e estradas. Você já parou para pensar na quantidade de espaço que a gente dá para carro e como essa infra-estrutura destroi certas partes da cidade? O maior exemplo disto no Brasil é o Minhocão em São Paulo. Na próxima vez que você sair dirigindo por aí, dê uma olhada. Soma espaços de estacionamento e vias de rolamento. É assustador.

Essa visão de uma cidade do futuro com menos carros retoma muitos destes espaços e reintroduz um tipo de transporte que não prejudica tanto o convívio social. A ideia não é abolir carros, mas tornar o transporte público bom o suficiente para que até quem tem os melhores carros escolha ir de metrô ou ônibus pela comodidade e/ou custo. Certos países já começaram a reagir à onda dos SUVs. Paris, aquela cidade que todo mundo fica embasbacado quando visita como turista, votou em fevereiro de 2024 para triplicar o custo de estacionamento de SUVs a partir de setembro. Mas a gente já falou no Tecnocracia #44: a Europa vem de outra filosofia de transportes que não a norte-americana. Os carros mais vendidos na Europa são muito menores que os campeões de vendas nos EUA.

No resto do mundo, a onda dos SUVs segue forte e, pior, sem dar qualquer sinal de arrefecimento. É uma abordagem completamente contrária ao que urbanistas já indicaram para cidades sustentáveis do ponto de vista ambiental e social. A popularização de SUVs elétricos atenua a questão das emissões, mas mantém todos os outros problemas atrelados. Com tecnologias criadas e um visual cada vez mais moldado em carros militares, o SUV joga no sentido totalmente contrário: ter uma espécie de tanque para “enfrentar” o trânsito o torna ainda pior para todos envolvidos — para a sociedade inteira. Quem ganha com a popularidade de SUVs? Só montadoras e petrolíferas. Só. Se você não é acionista de nenhuma delas, então seja bem-vindo aos perdedores.

Foto do topo: @juanelo242a/Flickr.

  1. Há controvérsias.
  2. Aquela mesma.
  3. Além do Hummer, a Guerra do Golfo apresentou ao mundo a CNN e o conceito de canal de TV dedicado 24 horas à notícia.
  4. Olha ela de novo.
  5. Você pode baixar os dados da Fenabrave — todos no delicioso formato PDF — para fazer as análises.
  6. Momento “sistema métrico é inegavelmente melhor”: um galão comporta 3,78 litros e uma milha equivale a 1,6 quilômetro, o que dá 44 quilômetros por galão, o que dá 11 quilômetros por litro. Eu já tive um carro velho que, quando chegava a 10 km/l, era uma alegria.
  7. Estes últimos 3 são piada. Quem pegou, pegou.

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