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[S01E05] Inocente

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O episódio "Inocente", de "Crônicas do Fim do Mundo" foi produzido por Caio Salgado. Comentários, críticas e sugestões: caio@chsalgadofoto.com.br ou pelo Twitter: @chsalgado. Leia essas e outras crônicas no Medium. Acesse o link: goo.gl/tIGy6p Transcrição Dia três mil, seiscentos e um. É meu aniversário. Eu ganhei uma nova goteira. A água podre que escorre do encanamento dos andares de cima se acumula e vai formando uma poça no chão de concreto batido. A água toma conta do cubículo onde passei os últimos anos. A única saída é feita por uma porta de ferro, pesada e enferrujada. Não existem janelas, apenas uma pequena entrada de ventilação, que empurra o ar quente para esse espaço, pequeno e úmido. Mal posso ficar de pé ou me deitar na cama de concreto, construída junto à parede lateral. E é lá que fico por horas. Não posso dizer que não tenho contato com o ambiente externo. Duas vezes por dia, me alimentam com uma ração malcheirosa e um pouco de suco ralo. Um guarda bate à porta e eu tenho alguns segundos para me virar e tapar os olhos para não me cegar. Ele abre e atira a comida para dentro. Ao menos esse processo renova o ar e posso respirar melhor por uma hora ou duas. Além disso, a cada seis meses um médico e um dentista me examinam. Eles me vendam, me apalpam, me jogam aqui e trancam a porta. Eu estou preso por dois motivos. O primeiro é porque tive um mau advogado. O segundo é porque ele ainda tentou ser criativo. Eu sou inocente. Você pode até não acreditar. Honestamente, não me interessa. Você não pode me tirar daqui, mesmo. Quando seu advogado tenta “melhorar a sua situação” alegando insanidade, é isso que acontece, ao menos nessa cidade. Você acaba aqui, vivendo e se alimentando de sombras. Psicopatas e sociopatas... todos ficariam loucos se fossem enclausurados nesse esgoto. Eu, não. Os primeiros anos são difíceis. Mas depois você se acostuma. As gotas que caem do teto se transformam em melodia, a escuridão nos dá muitas horas de sono e a cama de concreto se torna uma pluma. Como não vemos nada, ninguém também nos vê. Somos invisíveis. Na verdade, para quem está do lado de fora, somos seres não vivos. Contudo, ninguém sabe o que se passa na nossa cabeça. Cada segundo, dormindo ou desperto, serve para que a gente imagine o que vai fazer quando sair daqui. Não existe pena. Ao menos não teoricamente. Mas, uma vez a cada cinco anos, temos o direito de sermos avaliados por uma comissão de psiquiatras e psicólogos que se sentam em uma mesa e te julgam. Sua barba malfeita é motivo para te colocarem por mais cinco anos nesse universo escuro. E assim, as vidas se exaurem. Só que, uma vez a cada dezena de anos, um de nós consegue sair.
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Crônicas do Fim do Mundo

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